Escrevemos por dinheiro. Somos mercenários? Não vejo por quê. Um bancário iria passar oito horas no caixa, diariamente, só por idealismo ou para dar sua contribuição ao sistema financeiro? Um político se daria a todo aquele nhém-nhém-nhém somente por amor à pátria? Todo mundo trabalha por dinheiro: operários, camponeses, professores, balconistas, camelôs, enfermeiros, advogados, taxistas. O X da questão não é “não querer dinheiro”, porque de dinheiro todo mundo precisa. O X é: não fazer nada somente pelo dinheiro, porque isto roça pela prostituição; fazer a mesma coisa em circunstâncias em que não haja dinheiro envolvido; enobrecer e valorizar esse dinheiro. Sempre que eu ganho um dinheiro com um texto de cordel, por exemplo, eu me sinto na obrigação de reinvestir um pouco dele (e do meu tempo) no cordel, cuja existência me permitiu ganhá-lo.
Escrevemos por vaidade. Para ver nosso nome no jornal, nossa foto na revista, nossa entrevista na TV. Escrevemos para ser reconhecidos em público; “Olha lá... Aquele é Fulano de Tal. Pense num cara inteligente!”. Quem não gosta disso? Eu gosto, e muito. Não importa o nome que se dê: vaidade, orgulho, amor próprio, auto-estima. Todo mundo precisa, lá num porãozinho bem escuro e íntimo, justificar a própria existência diante de si mesmo. Todo mundo precisa dizer: “eu sou o cara que faz tal coisa, e faz bem”. Sem isso ninguém levanta da cama de manhã. Principalmente no inverno, e sabendo que a conta bancária está no vermelho. Escrevemos para podermos dizer: “Ora dane-se, eu sou o Raio da Silibrina, tão pensando o quê?!”
Escrevemos por missão. A missão nos é imposta de fora para dentro ou de cima para baixo, não importa. Nossa missão quem nos dá são os outros, e disso não tem como fugir. A vida é uma combinação de mares e de ventos levando nosso barquinho. Claro que temos velas e temos remos, mas, mandar no vento ou nas ondas? Nem pensar. Às vezes pensamos que nossa missão é uma coisa, e a vida nos dá outra, e é nessa outra que descobrimos melhor quem somos. É bom realizar os sonhos, mas é bom também sabermos que podemos realizar coisas com as quais não tínhamos sonhado. Às vezes é até melhor.
Escrevemos por prazer. Nelson Rodrigues dizia que sem sorte ninguém consegue sequer atravessar uma rua. Pois digo eu que sem prazer ninguém sequer conjuga um verbo. O prazer não é constante e contínuo. Escrever é cansativo, desgastante e muitas vezes é como atravessar um deserto. Mas se é o que você gosta de fazer, há sempre a possibilidade de na próxima página ou no próximo parágrafo as coisas se combinarem daquela forma que produz o prazer que buscamos. O prazer de fazer bem feito e de acreditar (pelo menos) que nunca na História do mundo alguém pensou a frase brilhante que a gente acabou de digitar. O prazer é sempre possível; basta apenas a gente esquecer o dinheiro, a vaidade, a missão, e não parar de escrever.
"Por que escrevemos"Por Bráulio Tavares publicado no site Cronopios