'“Cada coisa em mim ardia”, ardia como ficção, como oferenda culinária de mãe, como rebanho entorpecido no temporal, como seios de viúva. Eu, do alto de meus trinta e sete anos de dentes alvos e bem cuidados, sentia o direito à covardia e à bem- aventurança de pizza fria de anteontem. Meu filho, de juventude insuportável, assumiria em breve os magros negócios da família e poderia então, comprar sua própria droga, dever seu próprio aluguel e produzir sentimentos legítimos em criaturas tão despreparadas quanto ele. A vida tem seu jeito de resolver as coisas, embora seja bestialmente humano, tenho momentos de lucidez, aceito a falta de coerência das desimportâncias. Numa ocasião tive o desejo de ser coveiro, de ser poderoso. Somente eu seria agente, o outro calado e inerte. Sempre. E desaguaria meus traços de vida em pessoas feito eu. Seguiria assim, acompanhando a dissolução da matéria humana, gradativamente menos interessante. Eu, um quase-ser, como tantos outros vagando por aí. Mas enquanto planejava o destino em silêncio, os acontecimentos fluíam. Abri a porta da cozinha pra ela e me fudi. Ela perguntou as horas e me ofereceu queijo. Não despertou em mim grandes sentimentos, mas seus peitos eram lindos. Me descontrolei e fiz um filho. Por cima eu perguntava “hoje começa nossa história?” Ela com seu gemido prateado, parecia prever, parecia saber. E riu. A partir de então passei a lamber nucas desconhecidas com a emoção de um herói, com a soberba da ereção. Minha nudez não mais faz corar, meus pêlos são ralos e minhas secreções libidinosas me dão a dimensão do indivíduo que sou. Fui obrigado a blefar seriamente.
3 comentários:
Por peitos lindos eu também faria! rs
Tua cabeça é uma coisa!
Resmungos que escapam pela suposta resolução das coisas, no final das contas não há o que se pagar, e a vida resta como metáfora, grande ilusão a que nos agarramos quando nem o prazer dá jeito, filho bastardo sem querer, bico-de-pato por um sofá sem espuma, reproduzindo comportamentos porque tomar tenência dá trabalho demais. Essas foram as palavras quase-exatas que me vieram à cabeça lendo esse teu texto, Rachel, já a partir do título (mais) um enigma que se quer não-resolvido - e algo se resolve? -, no ritmo alucinante/alucinógeno dessa tua literatura esfinge nesse nosso/teu/meu tempo contemporâneo. Adoro-te, mulé!!!
PS: Vi as fotos da "montagem" do suor. Pelo making of a coisa tá boa, muito boa hein... pena eu não ter podido ir à flip.....bjão =D
Belo texto.
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