A imagem permanece durante toda a noite. Uma bala traçante corta o céu esperançoso de anunciantes acontecimentos, de maravilhosos destinos ingenuamente planejados. Nada é certo. Tudo é provisório, até mesmo nossos casamentos eternizados sob a égide da leviandade católica. Somos três casais de amigos aparentemente bem resolvidos, bem amados e bem comidos na faixa dos 25, 30 anos. É Réveillon. Dia 31 de mais um dezembro. Estamos todos aqui, numa casa alugada a prestações difíceis de pagar. Mais uma dívida a comer meu salário de merda, mais umas roupas que deixarei de adquirir só para estar, hoje, com pessoas cuja amizade me enche de prazer e dúvidas. Apartamento velho de paredes descascadas, de janelão enorme com vista pro mar de Copacabana. Mesa de frios, queijos importados. Uma estupidez essa coisa de queijos em pleno verão. Eu falei, mas... Vinhos, espumantes, aqueles coquinhos e nozes inúteis, peixe, arroz e feijão (!).
Eu. Mulher. 26 anos e meio. Vestido branco de seda natural. Suor escorrendo pelas costas. Calor infernal. Apartamento abafado, não tem nada do que nos disseram ter. Fomos enganados. O vestido cola no corpo, está quase transparente. É decotado e fica bem em mim, bem até demais... Inevitavelmente um deles me olha, percebo que com tesão. Sozinho, ele vale mais do que metade de qualquer um dos presentes, inclusive meu marido. Numa atitude provocante, me inclino para ajeitar a sandália. Fico assim por instantes. Em seguida, olho em sua direção e o encaro da forma mais escandalosa possível. Ele não esconde a ereção. Sabe que nosso caso é tenso e passional e que nossos respectivos, embora livres e amáveis, não se sentem bem com isso. Sinto vontade de beijá-lo loucamente, mas disfarço a inconveniência fundamental da situação. Vou até a mesa, encho a mão de coquinho e avelã. Preciso mudar a direção dos pensamentos.
Com a cara na janela percebo a multidão se aglomerando. Nunca entendi muito bem as festividades universais, mas como não fui capaz de forjar algo menos estranho para passar tais datas, sucumbo a elas. Não sei se é neurose de ano novo, mas meu rosto está devastado. Minhas olheiras antecipam-se ao tempo e aos dissabores. Meus ombros têm nós de desejo retesado. Não sei se é uma questão corriqueira, mas, envelheci aos 20 anos. Envelheci na mocidade, na entrada da vida, onde a morte parece mais fácil. Envelheci ali, com chicletes na bolsa e meu sexo sem rédeas. É fato.
*Essa é uma proposta,uma resposta a um "mote". Ainda não está pronto,portanto passível de mudanças na estrutura. Deixei ganchos para desenvolver o texto e gostaria de opiniões sinceras de vocês,seja lá "vocês" quem for.rs
Só umas últimas coisas... o tema é batido e tentei dar uma outra cara a tudo que se espera de uma noite de reveillon e me desculpem a falta de páragrafos,escrevo certinho e o blog não respeita.É foda...