quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Itinerário

Com as calças na mão corria trôpego, tentado, desesperadamente, se esquivar das pedras no chão e das fortes gotejadas de chuva a cair no fim de tarde. Corria, corria e corria...

Dobrou a esquina, vestiu as calças com pressa e cagaço. Verde xadrez com dois botões e a barra arrastando. Alfinete a lhe furar a coxa. Costureira de merda! Costureira Safada! Bainha mal-feita e armadilhas letais...

Retirou o alfinete das carnes, andou mais umas quadras, diminuiu o passo, viu o preço da couve, parou no balcão da farmácia de prateleiras poeira-cáqui, assobiou o farmacêutico, apontou um tarja preta, prontamente negado. “Moço, só com receita.” Visivelmente contrariado, xingou o pobre cabrito de “feio” e “pobre” e, voltou ao movimento anterior com a baba escorrendo ao canto da boca.

Parado em frente ao nada, na esquina com a coisa nenhuma, sentiu frio. Comprou no camelô uma latinha de cerveja e um quilo de chumbinho. Conferiu o resultado do jogo do bicho e foi para casa. Uma sombra magra de mulher o seguia com um maçarico pendendo da mão esquerda.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Rascunho do "Suor dos dias frios"

Meu trabalho novo que vem por aí, com arte de Cassia Lyrio ou Cassiopéia,para os íntimos!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Novo ano novo

A imagem permanece durante toda a noite. Uma bala traçante corta o céu esperançoso de anunciantes acontecimentos, de maravilhosos destinos ingenuamente planejados. Nada é certo. Tudo é provisório, até mesmo nossos casamentos eternizados sob a égide da leviandade católica. Somos três casais de amigos aparentemente bem resolvidos, bem amados e bem comidos na faixa dos 25, 30 anos. É Réveillon. Dia 31 de mais um dezembro. Estamos todos aqui, numa casa alugada a prestações difíceis de pagar. Mais uma dívida a comer meu salário de merda, mais umas roupas que deixarei de adquirir só para estar, hoje, com pessoas cuja amizade me enche de prazer e dúvidas. Apartamento velho de paredes descascadas, de janelão enorme com vista pro mar de Copacabana. Mesa de frios, queijos importados. Uma estupidez essa coisa de queijos em pleno verão. Eu falei, mas... Vinhos, espumantes, aqueles coquinhos e nozes inúteis, peixe, arroz e feijão (!).
Eu. Mulher. 26 anos e meio. Vestido branco de seda natural. Suor escorrendo pelas costas. Calor infernal. Apartamento abafado, não tem nada do que nos disseram ter. Fomos enganados. O vestido cola no corpo, está quase transparente. É decotado e fica bem em mim, bem até demais... Inevitavelmente um deles me olha, percebo que com tesão. Sozinho, ele vale mais do que metade de qualquer um dos presentes, inclusive meu marido. Numa atitude provocante, me inclino para ajeitar a sandália. Fico assim por instantes. Em seguida, olho em sua direção e o encaro da forma mais escandalosa possível. Ele não esconde a ereção. Sabe que nosso caso é tenso e passional e que nossos respectivos, embora livres e amáveis, não se sentem bem com isso. Sinto vontade de beijá-lo loucamente, mas disfarço a inconveniência fundamental da situação. Vou até a mesa, encho a mão de coquinho e avelã. Preciso mudar a direção dos pensamentos.
Com a cara na janela percebo a multidão se aglomerando. Nunca entendi muito bem as festividades universais, mas como não fui capaz de forjar algo menos estranho para passar tais datas, sucumbo a elas. Não sei se é neurose de ano novo, mas meu rosto está devastado. Minhas olheiras antecipam-se ao tempo e aos dissabores. Meus ombros têm nós de desejo retesado. Não sei se é uma questão corriqueira, mas, envelheci aos 20 anos. Envelheci na mocidade, na entrada da vida, onde a morte parece mais fácil. Envelheci ali, com chicletes na bolsa e meu sexo sem rédeas. É fato.

*Essa é uma proposta,uma resposta a um "mote". Ainda não está pronto,portanto passível de mudanças na estrutura. Deixei ganchos para desenvolver o texto e gostaria de opiniões sinceras de vocês,seja lá "vocês" quem for.rs
Só umas últimas coisas... o tema é batido e tentei dar uma outra cara a tudo que se espera de uma noite de reveillon e me desculpem a falta de páragrafos,escrevo certinho e o blog não respeita.É foda...

sábado, 10 de janeiro de 2009

Lusco-fusco do amor

Comi frango gelado e saí esbaforido, correndo, na urgência que o amor nos impinge. Na pressa não percebi estar só de cueca e chinelo, precisava dela, minha vida dependia dos suspiros de Madalena, dos gestos de Madalena, dos rastros de Madalena... Tem sido assim desde o dia em que a vi dançando descontraída numa dessas rodas de samba no centro da cidade, passei então a persegui-la, estudar seus hábitos, puxar conversa com ela e suas amigas a fim de obter maiores informações e nessa, ganhei seu endereço e um “aparece lá em casa qualquer dia desses”. Quero tê-la em minha vida, lamber seus peitos e enfiar-lhe provas de amor entre as pernas, chorar de emoção ao vê-la dormir e sentir o corpo doer uma mulher inteira! O que será que está vestindo agora, meu Deus do céu?!?! Lingerie? Ela deve ficar linda de lingerie...
Opa! Melhor mudar a direção dos pensamentos, estou de cueca e sinto uma leve penumbra causada pela sombra tímida de uma anunciante ereção.
Sigo peregrinando pelas ruas impessoais e ignorantes de meu crepúsculo amoroso, esbarro no jornaleiro e caio na calçada, para escárnio e admiração dos passantes, moçoilas ousadas cospem elogios sinceros à minha pessoa enquanto duas senhorinhas no ponto de ônibus me chamam de “devasso indecoroso”. Levanto-me com a dignidade investida pela paixão galopante que me governa e vou em frente... Nada, absolutamente nada é empecilho para mim neste momento decisivo! A polícia vem em meu calcanhar, aperto o passo e corro alucinado driblando quem quer que seja, entro numa farmácia na tentativa de despistar meus possíveis algozes e digo ao balconista não se tratar de nada fora da lei, ele não acredita e ensaia um golpe qualquer. Olho então para os lados e atravesso a rua, corto dois ou três quarteirões e continuo, intercalando passos calmos com uma corrida desenfreada.
As dificuldades do percurso me nutrem, o amor cresce a cada ameaça, a cada manifestação contrária, estou fortalecido!Cada parte minha pulsa, o sangue corre mais fluido e vermelho, meus sentimentos se purificam e meus sentidos se aguçam, sinto-me vivo e presente!Largo os chinelos pelo caminho, ando descalço e a sujeira secular do asfalto incrusta-se em minhas solas cascudas. “Quero você mulher!” Vou pensando. Falta pouco, só mais alguns obstáculos... Chego ao prédio da mulher amada e grito com a energia que me resta: “-Madalenaaaaaa,eu te amooooo!!!!” O porteiro frustra minha entrada e me acerta um soco que me custa um dente. Tento abrir a porta do elevador à força e cabeceio a madeira polida até sentir a testa inchar. Ela desce me olha com cara de pena e oferece uma toalha para me cobrir, diz estar namorando um sergipano bom no manejo de facas e que seria melhor se eu fosse embora. Abraço-a vertiginosamente e lhe rogo promessas românticas enquanto a sirene ao fundo berra e o sergipano desce as escadas.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Rotina em stopmotion



Um vídeo feito em stopmotion. A festa no Canequinho foi adiada pro dia 14.Sigamos nossa lida até lá!rs
Bijos!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

No meu aniversário, tem sim senhor!



Leo Carnevale representa um simpático e versátil palhaço Afonso Xodó na praça do Largo do Machado. Por trás das roupas largas e o nariz vermelho está um artista com uma longa carreira.Desde 1987 fazendo arte, Leo já participou de diversas oficinas e workshops e apresentou mais de dez espetáculos pelo Brasil. Arte de rua é sua paixão e ressalta seu valor. “Essa é a possibilidade de encontro do artista com as pessoas, que gostam de uma boa diversão e de um bom riso”, conclui.

*Dia 7 de Janeiro às 22 horas no Canequinho Café(ao lado do Canecão)ele e outros amigos se apresentam...

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Triunfante entusiasmo bovino

Um maníaco. Parecia um maníaco andando pelo centro da cidade. Desembestado, sem paradeiro certo, olhar vago de olhos esbugalhados, camiseta suja de pão – de- queijo e mãos geladas. Um suor frio me percorria o corpo e arrepiava os pêlos do nariz. Descabelado, me tornei raro entre os demais, um cabra com cabelos falhos nas laterais, lacerações na alma e cicatrizes visíveis no queixo, herança punk. Um punk de alma russa, patético, suando tal um porco no calor da Presidente Vargas, um ser lamentável sem gravata nem conta bancária.

Tenho evitado olhar no espelho por uma questão de bom-senso e vaidade, o choro inconsolável vem toda noite e me enche de olheiras funéreas, um ritual seguido com afinco, soluços e músicas de fossa. Ela, um animal ferino com jeito de tarada... Passávamos horas trepando enlouquecidos, ela me olhando no rosto, sem desviar o olhar e eu, babaca, chorando de emoção por ter aquela mulher de cabelos crespos e ascendente em virgem.

Conversávamos amenidades no dia em que partiu. A casa com as luzes apagadas de contas vencidas e risadas dissonantes. Ela levantou, pôs as calças, uma blusa, calçou seu coturno fedido, lavou o rosto na pia da cozinha, perguntou se tinha comida na geladeira e disse que a brincadeira acabou. Bateu a porta cansada da gincana diária... Fiquei imóvel, incrédulo, com a garganta arranhando e ruminando os três anos de convivência marital. O cheiro da mulher ausente doía, deixava marcas indeléveis maiores que as do apedrejamento sofrido no show da minha própria banda de rock.

Bafo de selva, 40º à sombra, uma da tarde, dois reais no bolso, saliva borbulhando no canto da boca entreaberta, economias franciscanas ameaçadoras de despejo, tesão retesado, angústia lancinante. Eu estava morrendo, a vida me mataria em questão de semanas, meu pressentimento não me deixava enganar, li Maiakovsky, sei das coisas. A cidade oferecia opções vastas, uma banca de jornal vendendo apostilas de concurso público, últimas notícias de um crime bárbaro e celebridades colunáveis, dez ambulantes apregoando quinquilharias num espaço mínimo e vendedores de sonhos empilhando filmes educativos com moças em poses exóticas. Entrei na padaria, comprei 100 gramas de mussarela e atravessei a rua comendo.