quarta-feira, 30 de abril de 2008

Noite


A noite me intimida, traz à tona meus medos mais obscuros. Tenho pavor de coisas que ainda não vivi, não sei até que ponto o novo renova. No fundo tudo se repete com uma roupa diferente e é ilusão achar o contrário. Algumas folhas secas caem das árvores retorcidas de vento e tempo, dois homens limpam a rua e eu, exatamente como sempre tenho feito, observo a casa que nunca terei.


Gravura de Oswaldo Goeldi.

domingo, 27 de abril de 2008

Periquitos

- Bom dia Dona Zefa!!
-Bom! Tudo bem com a senhora?
-ihh na verdade não, Tô sentindo uma solidão fudida, há semanas que só converso com meus periquitos...
-Nossa!
-É garota, a vida tá que é uma merda só...
-Mas e seu marido?
-Foi comprar cigarros.
-E não voltou?
-Não,ele ligou dizendo que a birosca aqui da esquina não tinha com filtro e foi procurar onde tinha...
-Que tragédia!
-Ahh minha filha, homem não presta, mas tenho o Zé e o Arnaldo pra me amparar.
-Seus amigos?
-Meus periquitos...
-Ahhh....
-Vamos parar de gritar na janela que não pega bem, sobe aqui Dona Zefa, pra gente conversar.
- Até subiria, mas tenho que ir trabalhar. Mais tarde conversamos. Tente se animar, dê uma volta, compre um chocolate.
-Olha garota, não preciso que uma idiota me diga que preciso comprar chocolate ou sei-lá-o-quê, preciso que uma idiota me escute. Insensível!
- Tá explicado! Daqui a pouco nem os periquitos vão te aturar! Mal-educada!

Blá,blá,blá

A vida nas costas,
Lágrimas nos olhos.
O suor
Das lacerações
Acumuladas,
Escorrendo pelos
Sulcos da face
Marcada de "ontens",
Saias rodadas e
Revistas velhas.
Esqueceu de hoje,
Rejeitava o amanhã.

terça-feira, 22 de abril de 2008

A espera é cruel e arde

Levanto de madrugada e vou em direção ao banheiro. Sento na tampa do vaso, cruzo as pernas e acendo um cigarro, em questão de minutos começo a sentir o mundo girar. Não consigo ficar em nenhum outro canto da casa. Dou fortes tragadas e observo o movimento que a fumaça faz, eu mal respiro enquanto meus cabelos vão ganhando um pesado cheiro de nicotina. Minha esperança mina à medida que as horas passam. Os olhos ardem e o fígado dói. O gato mia e arranca um pedaço da poltrona, de alguma forma, continuo viva. Uma ingrata cãibra na perna esquerda muda meus planos de amanhecer dentro do banheiro.

Volto pro quarto com uma estranheza na alma, as cores mudaram e sequer pintei as paredes, a sensação de não pertencimento é grande. Olho pro lado direito da cama, televisão e imagem de nossa senhora da conceição pendurados, edredom amarelo e um livro do Leminski na cabeceira. O relógio marca 3 da manhã, tento adivinhar seu paradeiro e, num surto de loucura, abro a porta com a cara amassada, uma camisola de cetim, a desilusão amargando na boca e desço a João Homem em direção à Rio Branco. Ignoro olhares preconceituosos e irônicos e, eventualmente, me defendo à base de palavrões e gestos obscenos. Chove torrencialmente. Sento nas escadas à sua espera e observo o movimento da Rua Felipe Nery, horas depois você reaparece com uma garrafa de cachaça vazia na mão e um big Mac pela metade.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Livro de crônicas


O flyer do lançamento.



Ficou lindo, ou como diz Flávio: "Ficou um brinco!"rs



Ana Maria do Sesc e Lili Rose, escritora e historiadora. Ao fundo,Marjorie com alguém.


Eu, Flávio Corrêa Mello(poeta,professor de literatura e gente boa) e Do carmo.

Coração de Pedra

1940. Um casal jovem, atado por uma paixão avassaladora resolve unir-se em matrimônio. Ela, ruiva, seios fartos, vinda de família tradicional mineira. Ele, estivador.

O início de uma vida a dois, sem casa certa para morar, sem paradeiro. Já que não tinham apoio familiar, pediram ajuda a um generoso amigo, que como costume os ajudou e cedeu-lhes um canto em sua casa, no Morro da conceição.

Segundo dia de casados. Irremediavelmente ciumenta, ela o segue até o cais do porto, onde seu amado trabalharia e fica na espreita atrás da árvore, até o fim do expediente. Na subida o observa conversando com uma mulher. Tal colóquio a desespera e agonia, ela sente vontade de enforcá-la com suas meias e trancar o marido sob seus cuidados e afagos, a alucinação aumenta quando percebe que a jovem lhe entrega um papel. Seria aquilo um bilhete de amor? Um encontro para logo mais? E agora, que ela tinha brigado com a família? Traída no segundo dia de casada? Pensamentos tenebrosos a acabrunhavam. Sentou no meio-fio e chorou. Enxugou as lágrimas em sua camisa de seda e foi para casa batendo o queixo de raiva e tristeza.

Terceiro dia de casados. Ele acorda, se perfuma, toma o café e ajeita os cabelos com o pente e o guarda no bolso. Ela olha e chora. Ele pergunta o motivo e a beija na testa. Ela treme de ódio, abaixa a cabeça e o espera sair. O amigo que os abriga também sai para o trabalho e pergunta se ela precisa de algo ao que escuta um “não, querido, obrigada!” O dia inteiro pensando e repensando teorias e possibilidades, um martírio sem fim até o horário que o marido sai da estiva se aproximar. Ela passa seu melhor batom, põe seu melhor vestido, pega uma faca de cozinha, põe na bolsa e o espera. Novamente o segue. Ele sobe o morro e se recosta no Forte da conceição, espera ansioso a irmã que lhe disseram ter, sua mulher toca em seu ombro, tira a faca da bolsa e o golpeia no coração.


*Um dos textos expostos na intervenção.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Projeções


Chapados e imobilizados assistindo Dziga Vertòv.



"Nossa, que coisa incrível!"




Nossos assíduos contempladores. Viram as primeiras imagens e não conseguiram mais levantar.


O Vj projetando imagens que não sei dizer o nome e alucinando as pessoas.

Segundo dia


Um menino passa e observa o grafite de Carlos contente.



No meio dos outros...rs

Terminando o primeiro dia


"Strike the pose!"






Uma das intervenções da Pedra do Sal. No primeiro dia tinha "até onde o mar vinha" de João Modé que, recriava a sensação de estarmos novamente à beira-mar, já que a àrea foi aterrada. Essa mesa era a responsável pelo barulho do mar,fico devendo a foto da pedra.



Se você ficasse no meio, apareceria entre o casal...rs

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Ainda o primeiro dia...


Felipe, de conversa- fiada com Gaia, artista plástico.




O trio = Gustavo Perdigão(fotografias); VJ Mossad ( Projeções e músicas) e eu (textos)




Pessoas curiosas e intrigadas com incomensuráveis talentos....rsrs



Pessoas no sol, disputando o melhor lugar para apreciar ou depreciar, vai saber...rs

Primeiro dia



Fazia um calor considerável, o dia estava lindo mas ainda assim resistimos à tentação de nos entregar ao sol e ao mar, montamos nossa festa, nosso despretencioso coletivo.









Jurei que meus textos não fossem receber atenção, ledo engano...

quinta-feira, 10 de abril de 2008

NÃO SÓ, COMO TAMBÉM...

Um texto que gosto de ter escrito:



Um cheiro de conta não paga, um jeito de dívida, daquelas de mais de 15 dias de vencimento. Senti prazer em ser politicamente incorreta, tudo fazia o maior sentido, os buracos no teto, a sensação da facada no peito provocada por algo muito mais ferino que uma simples facada no peito, as risadas fora de hora, os orgasmos múltiplos, a puta triste à espera de coito remunerado, o Vasco levar mais um vice, o tesão pelo amigo gay, tudo, absolutamente tudo fazia o maior sentido. Quadrados, por que quadrados e não redondos?Por que assim se assado?Qual a dificuldade nisso além da própria dificuldade?Por que ser, se não foi e se fosse não teria sido?Porque?Porque?Porque?Não há cura para o que não arde.

Deixa doer!Deixa sangrar!Quero veias abertas, arreganhadas, jorrando vermelho visceral. Quase esvaindo. Quase caindo. Quando mais alto melhor!Só se for agora!Tem coragem?Duvido!Então mostra! Tem pau pra mim?É, você, psiu...Tem pau pra mim?

Até saberia se o que soubesse não fosse tão velho e se as dúvidas não fossem tão certezas.

Toda forma de dor vale à pena. Pise pés cruéis em toda minha idiotice. Pise pisando, mesmo!Sem medos ou firulas, espalhando imbecilidade de modo que se forme uma grande bolha à minha volta e eu possa, então, respirar toda boçalidade que me é de direito.

Veneno doce, quero lamber!


quarta-feira, 9 de abril de 2008

Recorte

Um trecho de um dos contos do Noll, "Nado livre":


" Vivi tanto aquele dia que de mim escorreu sangue ao deitar. Tinha tomado champanhe, uma garrafa inteira de vodca, me arranhara fundo pelos espinhos de umas plantas que poderiam ser de um jardim, praça, parque, sei lá! E, de repente, estava sem bebida em casa. Então, feito fosse uma garrafa de vinho, acabei bebendo em pesadelo o que sobrara de mim própria em meio a cólicas - sim, desidratando-me inteira, a cabeça ruiva sobre os travesseiros, os mesmos sobre os quais eu beijara pouco antes uns lábios carnudos que se abriram passando uns goles de champanhe para os meus, ávidos de sal. "


*Quando eu crescer, quero escrever igual. rsrs

domingo, 6 de abril de 2008

Programação cultural

"Nosdias 12 e 13 de abril, sábado e domingo, vai acontecer a mais ambiciosa ação urbana de caráter artístico a ser realizada no Rio de Janeiro, há umadécada ou mais. Uma seleção de dezoito artistas, representativa de diversas tendências da cena contemporânea carioca, irá ocupar um dos pontos de maior importância histórica da cidade – o Morro da Conceição, entre o Centro ea Zona Portuária – com instalações, intervenções e performances, além de oficinas de criação e outras atividades paralelas promovidas pela comunidade eas instituições presentes no local. O evento constituirá um legítimo happening cultural, inspirado no exemplo de Hélio Oiticica, propiciando a convivência entre artistas, comunidade e público visitante, num dos pontos mais privilegiados do patrimônio histórico da cidade."
Horários:12 e 13 de abril, sábado e domingo, manhã,tarde e noite em tempo contínuo. Recepção do evento: Casa da Cultura doMorro da Conceição, Adro de São Francisco (subir escadaria à altura da RuaSacadura Cabral, 73, Praça Mauá).


Nos vemos por lá! :)

sábado, 5 de abril de 2008

Conquista

Piscou olhos borrados sobre o balcão, sinalizou uma bebida e vomitou uma poesia.

Trêmula, com a alma cambaleante e solta, devotou parcos minutos de atenção a um cabra desavisado. Beijou-lhe a face murcha e pediu que pagasse uma, duas, três, quatro, oito doses... “Tudo certo, tudo beleza!” Ele pensou. Ela bebeu. Alimentou cirroses engessadas, subiu um dedo da saia e fez cara de infeliz, apontou um caminho e seguiu. Ele, sem resistências prolongadas, aquiesceu. Pensou ter ganho a noite por umas doses de cachaça e euforicamente criança,agarrou-a pela cintura. Ela estava armada. Ele não sabia.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Aguardo


As paredes eram brancas, as cortinas tinham respingos de tinta que disseram nunca mais sair. Algumas moscas sobrevoavam o abajur velho que sua tia nos deu, ela sempre sorria com simpatia assim que eu percebia seus olhares. Velha lésbica e tarada!
Você disse que se esforçaria para estar aqui às cinco, já são sete e meia e não suporto mais o tédio.O Silêncio da vizinhança me incomoda e provoca brotoejas, queria um pouco mais de barulho, um pouco mais de vida. Não tenho aparelho de som, você não chega.
A falta é lasciva e indecente, te espero.

http://olhares.aeiou.pt