quarta-feira, 27 de agosto de 2008

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Lar

“Insolente malcheiroso” era disso que me chamavam àquela tarde de céu estranhamente cinza. Era Fevereiro, época de sol a pino. Era fevereiro e fazia um dia cinza...

Tratei de me refazer de meu pós-coito exagerado enquanto abotoava as calças e ouvia os insultos a mim, distraidamente, tecidos. Desconsideravam-me por completo, entendi ser um serviçal desprezível, um abjeto subalterno com ginasial completo e portador de um belo e disputado baixo-ventre. Eu era um merda!

Triste, saí do quartinho onde faço morada, com o máximo de silêncio possível, sem barulho de passos ou qualquer indício de minha existência. Fui até a cozinha, pus um cigarro entre os lábios e procurei algo que pudesse acendê-lo. Nada! A casa não tinha fósforos, a casa era automática. Não sabia acender o fogão modernoso. Precisava de umas três tragadas e só. Necessitava disso, ainda mais depois da canseira da tarde, da incansável fêmea de útero chamuscante... Vaca! Tenho certeza que uns tragos dissolveriam as mágoas, certeza! Guardei o cigarro no bolso, sentei na cadeira de madeira gasta, comi cinco fatias de bolo solado e empurrei com água. Impressionante como certas palavras vindas de quem não imaginamos dizê-las, ferem. Fui chamado de tudo nessa vida, freqüento o submundo das bestas, minha própria mãe nunca me chamou pelo nome, só por “verme”, mas nessa casa onde achava ser bem-recebido, nunca! Nunca imaginei tal desconsideração! Peguei mais uma fatia de bolo e mastiguei enquanto pensava em tudo...

São 3 da tarde. Hora de capinar o jardim e acariciar o cachorro, senão ele “estressa”. Depois das carícias, um jato de água termal nos pêlos. Frescurada! Depois é hora da limpeza na fossa e mais tarde hora de carcar o patrão. Ele é o menos ingrato daqui, me ofereceu casa, disse que queria fugir comigo pra outra cidade, viver um casamento de verdade, diferente do engodo que alimenta há 15 anos com a mulher, a “fêmea do útero chamuscante”. Eu que sei... Ela vem e reclama dele comigo, aí ele vem e reclama dela. Vivo no fogo cruzado, cheiro à azedo e é disso que eles gostam. Tenho um cheiro de “coisa” que atrai, dá tesão, todas as minhas ex-patroas diziam. Nunca fui demitido, eu que sempre pedi as contas. Gostei daqui, achei nessa casa meu verdadeiro lar, com almofadas, sexo e afeto. Fui iludido, profundamente iludido! Senti fome, peguei o resto do bolo, esquentei um pão duro, amolei a faca de cortar carne e com um tablete de manteiga, segui pro quarto, ao encontro dele.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Oficina de Criação

Amigos, a artista plástica Fernanda Scarpa realizará oficina em breve! Clique na figurinha que vocês verão melhor e tal... Ah, ela me pediu permissão pra criar coisas baseadas em alguns textos meus. O que eu disse? "Claro, guria, claro!!" rs

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Paixão galopante

O fígado regurgitava cerveja e gordura, todo o corpo respondia a estímulos não feitos, exalava feromônios, tudo que tocava cheirava a sexo e morte, a velhinha atravessando a rua remetia-lhe a grunhidos e posições executadas no decúbito do amor, onde se despia de sua mortalha lavada, passada e engomada. Deixou de usar preto, passou a ser colorida, toda colorida! O dito-cujo aguardava lânguido sentado à mesinha do boteco enquanto suas tripas pareciam adquirir vida própria e o coração descer junto com a menstruação.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Tarde

Pulei o muro para vê-la. Há anos cultivava em minha imaginação tardiamente adolescente, esse momento, o momento em que a encontraria. Eu chegaria de banho tomado, perfumado, unhas e cabelos cortados, barba aparada, bem vestido e com algo para presentear, algo simples,singelo e significativo. Um bolo de fubá feito por mim mesmo, ainda na fôrma, coberto com um pano de prato bonito. Entraria em sua casa de janelas brancas descascadas e entregaria o bolo com um sorriso de contentamento, ela certamente passaria um café na hora, quente e forte. Nossa tarde seria um agradável encontro de café e bolo, muitos sorrisos, abraços, algumas lágrimas e, eventualmente, algumas culpas arremessadas nas costas, que logo seriam esquecidas por ambos. “Você é bem-vindo, volte sempre que quiser!”. Ela diria. Eu agradeceria com a alma plena e um sentimento de absolvição pelas pequenas e grandes misérias que devo ter causado e, revigorado, diria: “Na próxima, trago sorvete! Gosta de chocolate?”. Sairia contente, disposto para enfrentar a vida e seus prazos de validade, a vida e seus símbolos fálicos, onde a conta vence, o feijão apodrece, a camisa descostura e o homem tem que levar dinheiro pra casa.
Seria feliz com isso, profundamente feliz! Iria visitá-la sempre, seria seu melhor amigo, aquele de todas as horas. Não teríamos vergonha de repartir nossa pobreza, ela me mostraria a pia de mármore da cozinha gasta e rachada e diria estar lavando a louça na do banheiro, também em estado terminal. Tiraria então, a carteira do bolso, abriria, pegaria o talão de cheques, a caneta, faria cara de salvador da pátria e perguntaria: “De quanto é o estrago?!”. E ela diria com a testa franzida e a sobrancelha erguida: “Não sei pai. Duzentinhos deve resolver.”
Pai. Ela me chamaria de pai, da mesma forma que todos os filhos se referem aos seus. Sairia naturalmente de sua boca, já faria parte do vocabulário diário, sem alarde, sem ocasiões especiais, sem sinos tocando. “Pai”. Ela diria. Creio que agora, na idade em que se encontra, aos trinta e poucos, não deva mais nutrir por mim uma imagem carinhosa, um sentimento filial, sé é que algum dia nutriu. Ela deve ter trabalhado minha figura como a de um mito, um ser alado, daqueles que “dizem” que existe, mas ninguém vê. Pra minha filha não passo de uma entidade ou no máximo, um fato biológico. O que a mãe deve ter dito a ela? Provavelmente uma mentira bem contada, o que agora não faz diferença. Não sei se resolveria a questão eu tentar uma proximidade, dizer que a quero muito bem ,que sua mãe desapareceu sem explicação mas ainda assim assumo a irresponsabilidade de não tê-las procurado. Acho que ela me mandaria à merda e a mãe, se continua louca como era, me daria uma facada, não sem antes me xingar. O fato é que faltou coragem ou sobrou bom-senso, um dos dois! Descobri seu endereço e fui lá, fiquei olhando de longe ela varrendo o quintal, jogando o lixo fora, arrumando as coisas, observando seu jeito... O astral era de festa, uma recepção de amigos íntimos talvez. Ela estava feliz e é mais alta do que havia imaginado. Pulei o muro do vizinho e me escondi agachado, atrás de seu jardim malcuidado, onde a visão era melhor. Fiquei a noite inteira assim.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Catarse Estética

Sonho
Reminiscência de desejos remanescentes
Re-des-cobrimento imagético
Re-des-construção
Imanência que leva à transcendência
Luzes, cores, movimentos
Cenas costuradas
Por espasmos oníricos
Fragmentos de um pretérito- presente- futuro- mais- que- imperfeito
Linguagem decodificada
Simulacro furta-cor
De realidade silenciada
Metáforas
Pulsando vivas
Sobre o super 8.



*Prometo e cumpro! Sou mulé de palavra!rs Havia comentado no último post que pretendia junto com um amigo, fazer um curta de uns 15 minutos e tal. Faltou desenvolver o roteiro da idéia, só consegui o poema.

sábado, 9 de agosto de 2008

A filha do coveiro

Tripas em cólicas. Seis da tarde de um dia ruim. Seios latejando menstruação. Irritação. Um gole de refresco de caju. Batatinha chips. Outra batatinha chips... Dois reais na carteira, um dente de alho no bolso e um ônibus cheio. Um pedaço de canção na memória. Laiá, laiá! Inglês de merda. Segundo grau nas coxas. Um filho de 10, outro de 2. Meia dúzia de foda urgente. Qual seu nome, mesmo?! Churrasco num quintal de subúrbio. Carne de segunda e cerveja grátis. “Se for pra morrer, que seja de amor! Língua pra fora e coração na mão” Aceita? Um candidato. Contas penduradas no mercadinho de bairro. Um inferno de boas intenções. Um girassol da cor do seu sorriso. Dor nos quartos. Um trago de charuto pro santo descer. Calcinhas sem elástico. Risada frouxa. Alma estriada. Filho perdido nas lojas americanas. Mulher moldada à rio, de ombros curvados pra vida passar mansa.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Furtivo, casual e arrebatador

Ela encontra um conhecido. Passam em direções opostas. Ela continua andando passos fortes e trança as pernas numa sandália rasteira. Ele chama. Ela ri. Ele com lágrimas em cascata a segue e diz: “Vem comigo?” Ela debocha e passa a mão nos cabelos. Ele soluça um pranto sincero e pergunta o que ela quer. Ela diz querer empada de frango, mas se tiver de camarão ela come. “O amor é uma questão de hora certa” Ele dispara. Ela diz estar atrasada e, com olhos soturnos questiona as próprias olheiras. “Não beba demais, nêga!” “É só por hoje” ela ironiza.

Ela anuncia sua ida à Cingapura, diz que será em breve e que por enquanto vai inventando uma lua nova a cada quarteirão. Ele diz-lhe coisas dizendo-se coisas, reafirma sentidos e opiniões enquanto cospe conselhos àquela. Ela, alegando pressa e fome, segue andando sem olhar pra trás. Louco, ele a percebe se distanciando aos poucos e tropeça um “você me ama?!” Irônica, para, vira o rosto e diz: “Depende... O que quer ouvir?”