sábado, 7 de março de 2009

Havia um mar na China.

As partidas. Toda viagem implica em partida. Rumos deixados ao traço do que já foi e a incompreensão do que virá. Nada se digna a agrados gratuitos, o preço é alto e cobrado à vista. “Tudo se obsta aos que vêm a mim de boa vontade”. Isso deveria estar na bíblia. Das trocentas verdades que me dispus a ter, essa me foi enfiada sem escolha, sem sequer um convite pro choppinho, pra batata frita e tal...
Ele sabia de tudo, de todas as birutices sem precedentes que me acometiam nos intervalos das refeições. Ele e sua jaqueta dourada sabiam de tudo. Jaqueta comprada em Nanjing, uma raridade da dinastia Jin Ocidental, combinada com os pisantes Nike de Pequim, a calça jeans e o penteado afro. Nunca acreditei em suas procedências. Chinês estranho de um metro e meio, sem pai nem mãe. Seus trejeitos marciais escondiam algo de muito sinistro, ainda assim, alguns no navio falavam com ele com alegria. Seis, sete caixas de whisky e uma poção de lagosta. Bebeu uma caixa e meia, bolinou um idiota, levantou trôpego, atravessou correndo o convés e se jogou ao mar. Gritos à esquerda, gritos à direita. Mais um problema resolvido. Pediu ajuda. Conseguiu. Voltou ao navio. Meteu os dentes na lagosta. A fome apertava. Percurso longo. Parada Ceilão – Ilha do governador.
Encharcado, tirou o tênis, a calça jeans... Beijou a jaqueta. Recolheu a roupa e seguiu nu até seu quarto. O vento puro, suave, com um leve aroma de maresia acalmava os enjôos e ânsias de vômito das desprovidas de estômago forte. Eu não sei até onde deveria ir, não sei se agia corretamente, se haviam regras. Apenas sorria quando achava que devia. Falava pouco, muito pouco e abria as pernas quando requisitada. Eu me lembro... Alto, muito alto, moreno, pau grande e magreza apavorante. Lindo! Olhos verdes! Nada foi encontrado na cabine, nem um chiclete. Sumiu! Uma pena...
Até a consumação total do tempo e da noite, perambulei feito um zumbi pelas equimoses da tarde. O navio deu três apitos longos, fortes. Quase surda, rebolei emitindo mugidos e lambi sua orelha. Ele gosta, prefiro não contrariá-lo. Tenho medo. Pus uma música para abafar o som e mugi um pouco mais. O chinês chorava comovido. Chorava sem mostrar as lágrimas e se orgulhava disso. Disse uma vez que isso é resultado de muito treino, das necessidades da profissão. Fiquei curiosa e perguntei, perguntei e perguntei... Contrariado, apagou o cigarro na minha bochecha e mandou que me ocupasse com outras coisas. Lavei o rosto, retoquei a base e o batom. Não adiantou, nem a lama da Praia da Bica era tão escura quanto aquele ponto recém-adquirido. Mas um pouco de base. Minha educação no Cocotá não incluiu aula de maquiagem, fiquei bem próxima de ser confundida com um travesti. Durante a viagem, na travessia final, deram falta de alguns sujeitos. Algumas pessoas jogavam cartas, outras bebiam e comiam, outras contavam vantagens. Três corpos boiando no mar.



*Mais uma vez o blog não respeitou meus parágrafos... :(

Um comentário:

Gaja disse...

Poxa, adorei. Gostei do estranhamento, do clima. foi interessante ver as suas cenas cariocas num ambiente tão exótico (para mim). Só fico imaginando o que seria um livro de romance que começasse assim... seria um belo início.