sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Era o que parecia

Sentia dores horríveis no calcanhar direito enquanto ela se aproximava lentamente, ventando ainda mais as cortinas de tule frágil sobre as janelas escancaradas. Era como se anunciasse algo suficientemente devastador para uma tarde insossa, os dentes, ah meus dentes...! Mastigariam com força qualquer tentativa infantil de formar-lhe insultos, eu sentia, meus dentes, assim como meu calcanhar, combinaram independência logo cedo de manhã. Tudo aquilo era insatisfação genuína, discordância, freio dos instintos. Observava contidamente os detalhes dos seus movimentos, eram suaves, eram sem culpa, eram o café entornado no chão, eram a plasticidade de parto normal, eram meu humor às vésperas de férias. À uma e meia da tarde vai-se existindo e consistindo transcendências de um impessoal vivo e mole, daqueles que escorrem entre objetos, sentidos e gente. Transcende o final da manhã com voz ainda rouca, importante ressaltar. Com voz ainda rouca. Ainda. Bastante até. De início, possibilidades de escrever em signos e contorcer-se toda no anonimato das cólicas renais. Ou era isso ou “a mão verde e os seios de ouro” de Clarice entre coriza de nariz e suspiros de lambida em gratidão. Sou grata, sou integralmente grata já como parte indissolúvel do “eu”, como característica marcante. Os amigos sabem. Eu sei. Clarice também.

Ainda assim, dores no calcanhar e uma sensação doce no respirar e no sentir-se presente enquanto mais um fato no mundo se faz sempre do lado de fora do aqui. Tudo isso e júpiter na minha sexta casa zodiacal sem o “eu”, sem Clarice e sem freios. Em questão de segundos forma-se outro “aqui”. Ela e os movimentos me diziam reiteradamente que o que estraga a felicidade é o medo. As janelas, à esquerda do meu calcanhar direito e a energia do meu silêncio no ar denso de palavras heróicas e... Sim, é uma situação clichê! Sentia dores horríveis, agora na boca, agora onde o gozo aos poucos se desajeita no novo, agora também os ombros. Agora a nudez é justa. O telefone toca em onomatopéia.

Um comentário:

Ana Muniz disse...

Suspiros extasiantes.
Muito bem escrito!

Bjs, Nêga.