segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Hilda

"Existir é sibilante. Enfim, o existir não me confunde nada. O que me confunde é a vontade súbita de me dizer, de me confessar, às vezes eu penso que alguém está dentro de mim, não alguém totalmente desconhecido, mas alguém que se parece a mim mesmo, que tem delicadas excrescências, uns pontos rosados, outros mais escuros, um rosado vermelho indefinido, e quando chego bem perto dos pequenos círculos, quando tento fixá-los, vejo que têm vida própria, que não são imóveis como os poros de Mirtza, que eles estão à espera... de quê? De meus atos. Não meus atos cotidianos, nada disso de se levantar da cama, tomar resoluções, banho, caminhar, não é nada disso, talvez em alguns dias, quem sabe, esses pequenos atos se encadeiam de modo a me levar ao grande ato, não sei, preciso refletir mais demoradamente, e chamo o meu ato de grande ato não porque ele tenha importância pra mim, pra mim é muito simples, é apenas muito estimulante, mas o grande ato deve ter importância para a maior parte das gentes, ah, isto eu sinto que é verdade, porque se não tivesse importância eu não me confundiria tanto, quero dizer, eu não ficaria tão em dúvida quanto à possibilidade de me dizer aos outros, de me confessar."


Fluxo-Floema, da Hilda Hilst prosadora poética.

Um comentário:

Ana Muniz disse...

Conheci Hilda Hilst ao ler Mia Couto. Mas tenho certeza que ainda não conheço o suficiente.
bom, espero que nunca seja suficiente, senão perderá a graça.