quarta-feira, 16 de julho de 2008

Varrer o quarto e arrumar a cama

Tenho saído com a chinesa. Quando a fodo ela sussurra versos em cantonês e me morde a orelha deixando quase sempre, escorrer uma baba do canto da boca diminuta. Ela faz teatro. Ela gosta de batatas, as conheceu aos 20 anos e desde então, quando possível, não as dispensa. Desde as batatas passaram- se 5 anos. Ela gosta do Brasil, ainda que com protetor solar. Ela gosta do Brasil e de mim. Sempre me conta, em seu português sofrível, histórias do campo, das angústias vividas nas entressafras, das longas horas de trabalho pesado e das mãos ressecadas. Ressalta que por conta delas resolveu sair dali e estudar. Queria e merecia mãos melhores. Diante de seus causos pareço um repolho, um mimadinho desinteressante criado à Danoninho e Cheetos, um filho de vó sensível ao calor e a apartamentos não refrigerados.
Nossos universos distintos. As feiras aos domingos. Os tomates no chão ao fim da tarde e o cheiro de peixe. Ela e seus pés pequenos. Ela e seu rosto incrivelmente liso. Ela e suas reticências. Ela e seus livros. Hoje é na minha casa. Aviso. Ela pergunta o cardápio. Digo que isso não é comigo. Falo do disk pizza. Ela faz cara feia e promete fazer um prato típico. Insisto no disk pizza. Ela me xinga em mandarim e ameaça um misto de macarrão thai e won tong com farinha integral. Meu paladar provinciano não gosta, mas aceita. Penso em seu ventre e no filho que não vamos ter, em suas entranhas delicadas e úmidas, em seu gestual marcial e belo, em suas leituras dramatizadas e na preferência por Nelson Rodrigues. Ela pega as chaves do meu carro, me deixa nu em sua cama e diz voltar logo. A casa tem baratas enormes.

9 comentários:

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

Belo conto!!!

Felipe Malta disse...

Ai ai...

gustavocarmo disse...

Eu acho que a China não volta mais. rsrsrs

Sylvia Regina Marin disse...

Forte e visceral, como sempre. Adorei!
Beijos.
Sylvia

william disse...

O inicio é brusco e cria um contra ponto com a delicadeza da chinesa. cheio de"universos distintos".Gosto do final que também se encerra bruscamente, numa frase, numa observação...
Bjo e até.

Junú disse...

OI querida! Estou dando uma olhada no blog! BJs, prazer conhece-la!

www.geraldojunior.com.br
www.caboclodeasas.blogspot.com

Isaac Frederico disse...

po achei fodástico esse texto..
a descrição lenta e meticulosa da orientalidade, os impagáveis "versos em cantonês" e mais adiante "ela me xingava em mandarim", putz me mijei de rir aqui kkkkkkkkk mto bom.

Victor Meira disse...

Isso é um balzac do avesso!

Não fosse pelas três indicações que o texto dá a respeito do gênero da personagem-narrador ("mimadinho", "filho" e "nu", se não me passou outra desapercebida), o conto seria sobre um casal de moças. O protagonista percebe as coisas e pensa como mulher. Na primeira leitura, li como se fosse assim, e só no fim, lá em "nu", foi que o gênero da personagem me bateu na cara.

Legal esses rapazes sob o escopo duma moça.

Bacana, Rachel.

Rachel Souza disse...

Olha só, quantos comentários interessantes! Fico feliz, é o texto causando vida e vice versa.rs
William, bacana sua observação do contra ponto.Geraldo e tchurma, voltem sempre! Isaac, você foi o único que disse ter rido. Coisa boa!Coisa muito boa!
E Victor,"Balzac"?rs
Bjos!