sábado, 10 de janeiro de 2009

Lusco-fusco do amor

Comi frango gelado e saí esbaforido, correndo, na urgência que o amor nos impinge. Na pressa não percebi estar só de cueca e chinelo, precisava dela, minha vida dependia dos suspiros de Madalena, dos gestos de Madalena, dos rastros de Madalena... Tem sido assim desde o dia em que a vi dançando descontraída numa dessas rodas de samba no centro da cidade, passei então a persegui-la, estudar seus hábitos, puxar conversa com ela e suas amigas a fim de obter maiores informações e nessa, ganhei seu endereço e um “aparece lá em casa qualquer dia desses”. Quero tê-la em minha vida, lamber seus peitos e enfiar-lhe provas de amor entre as pernas, chorar de emoção ao vê-la dormir e sentir o corpo doer uma mulher inteira! O que será que está vestindo agora, meu Deus do céu?!?! Lingerie? Ela deve ficar linda de lingerie...
Opa! Melhor mudar a direção dos pensamentos, estou de cueca e sinto uma leve penumbra causada pela sombra tímida de uma anunciante ereção.
Sigo peregrinando pelas ruas impessoais e ignorantes de meu crepúsculo amoroso, esbarro no jornaleiro e caio na calçada, para escárnio e admiração dos passantes, moçoilas ousadas cospem elogios sinceros à minha pessoa enquanto duas senhorinhas no ponto de ônibus me chamam de “devasso indecoroso”. Levanto-me com a dignidade investida pela paixão galopante que me governa e vou em frente... Nada, absolutamente nada é empecilho para mim neste momento decisivo! A polícia vem em meu calcanhar, aperto o passo e corro alucinado driblando quem quer que seja, entro numa farmácia na tentativa de despistar meus possíveis algozes e digo ao balconista não se tratar de nada fora da lei, ele não acredita e ensaia um golpe qualquer. Olho então para os lados e atravesso a rua, corto dois ou três quarteirões e continuo, intercalando passos calmos com uma corrida desenfreada.
As dificuldades do percurso me nutrem, o amor cresce a cada ameaça, a cada manifestação contrária, estou fortalecido!Cada parte minha pulsa, o sangue corre mais fluido e vermelho, meus sentimentos se purificam e meus sentidos se aguçam, sinto-me vivo e presente!Largo os chinelos pelo caminho, ando descalço e a sujeira secular do asfalto incrusta-se em minhas solas cascudas. “Quero você mulher!” Vou pensando. Falta pouco, só mais alguns obstáculos... Chego ao prédio da mulher amada e grito com a energia que me resta: “-Madalenaaaaaa,eu te amooooo!!!!” O porteiro frustra minha entrada e me acerta um soco que me custa um dente. Tento abrir a porta do elevador à força e cabeceio a madeira polida até sentir a testa inchar. Ela desce me olha com cara de pena e oferece uma toalha para me cobrir, diz estar namorando um sergipano bom no manejo de facas e que seria melhor se eu fosse embora. Abraço-a vertiginosamente e lhe rogo promessas românticas enquanto a sirene ao fundo berra e o sergipano desce as escadas.

5 comentários:

Priscila Milanez disse...

O li como se assistisse um curta bem humorado sobre os dispautérios do amor. Gostei, moça!

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

Concordo com a Priscila!!! Demais!!!

Gaja disse...

também achei cinematográfico. gostei muito.

Caco Pontes disse...

me tirou fôlego
pode devolver?

Mada disse...

Rachel, teu texto está bonito, impressiona e surpreende. Gostei mesmo.