segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Novo ano novo

A imagem permanece durante toda a noite. Uma bala traçante corta o céu esperançoso de anunciantes acontecimentos, de maravilhosos destinos ingenuamente planejados. Nada é certo. Tudo é provisório, até mesmo nossos casamentos eternizados sob a égide da leviandade católica. Somos três casais de amigos aparentemente bem resolvidos, bem amados e bem comidos na faixa dos 25, 30 anos. É Réveillon. Dia 31 de mais um dezembro. Estamos todos aqui, numa casa alugada a prestações difíceis de pagar. Mais uma dívida a comer meu salário de merda, mais umas roupas que deixarei de adquirir só para estar, hoje, com pessoas cuja amizade me enche de prazer e dúvidas. Apartamento velho de paredes descascadas, de janelão enorme com vista pro mar de Copacabana. Mesa de frios, queijos importados. Uma estupidez essa coisa de queijos em pleno verão. Eu falei, mas... Vinhos, espumantes, aqueles coquinhos e nozes inúteis, peixe, arroz e feijão (!).
Eu. Mulher. 26 anos e meio. Vestido branco de seda natural. Suor escorrendo pelas costas. Calor infernal. Apartamento abafado, não tem nada do que nos disseram ter. Fomos enganados. O vestido cola no corpo, está quase transparente. É decotado e fica bem em mim, bem até demais... Inevitavelmente um deles me olha, percebo que com tesão. Sozinho, ele vale mais do que metade de qualquer um dos presentes, inclusive meu marido. Numa atitude provocante, me inclino para ajeitar a sandália. Fico assim por instantes. Em seguida, olho em sua direção e o encaro da forma mais escandalosa possível. Ele não esconde a ereção. Sabe que nosso caso é tenso e passional e que nossos respectivos, embora livres e amáveis, não se sentem bem com isso. Sinto vontade de beijá-lo loucamente, mas disfarço a inconveniência fundamental da situação. Vou até a mesa, encho a mão de coquinho e avelã. Preciso mudar a direção dos pensamentos.
Com a cara na janela percebo a multidão se aglomerando. Nunca entendi muito bem as festividades universais, mas como não fui capaz de forjar algo menos estranho para passar tais datas, sucumbo a elas. Não sei se é neurose de ano novo, mas meu rosto está devastado. Minhas olheiras antecipam-se ao tempo e aos dissabores. Meus ombros têm nós de desejo retesado. Não sei se é uma questão corriqueira, mas, envelheci aos 20 anos. Envelheci na mocidade, na entrada da vida, onde a morte parece mais fácil. Envelheci ali, com chicletes na bolsa e meu sexo sem rédeas. É fato.

*Essa é uma proposta,uma resposta a um "mote". Ainda não está pronto,portanto passível de mudanças na estrutura. Deixei ganchos para desenvolver o texto e gostaria de opiniões sinceras de vocês,seja lá "vocês" quem for.rs
Só umas últimas coisas... o tema é batido e tentei dar uma outra cara a tudo que se espera de uma noite de reveillon e me desculpem a falta de páragrafos,escrevo certinho e o blog não respeita.É foda...

10 comentários:

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

O importante é maneira como escreve e não muito o tema. Está interessante, como sei que tem bom gosto e talento, não vai tranformar um texto erótico de quinta. Enquanto aos práfrafos, dá espaço entre eles. Talvez, facilite a leitura. Porém, dá para ver os prágrafos do jeito que está.

Anônimo disse...

Gostei, porém, colocaria uma aproximação maior, talvez um roçar de corpos, como se sem querer,levando a um rubor estranho numa personagem que já está se sentindo envelhecer...Você pediu sugestões, então aí estão...
Mas não chegaria a vias...

Tahian disse...

Concordo com o Dudv, tá interessante, pois vc escreve bem, então mesmo o batido, consegue prender a atenção do leitor, as pitadas de erotismo tão bem tranquilas sem absurdos...
Acho que são dois caminhos a seguir a partir dessa "base", elaborar as mesmices [rotineiras e batidas, rugas envelhecimento] ou dar uma sacudida e trazes elementos inesperados [acho que não precisa né? ]
besos ...

Victor Meira disse...

Rachel, só não termine com assassinato, tá? hahahaha.

Como os outros, também gosto bastante da narrativa. A personagem joga em intimidade com o leitor desde o começo, confidenciando seu jeito ranzinza em relação à comida, ao calor, aos amigos, ao tezão reprimido. É interessante.

Se o conto fosse meu, acho que continuaria de um jeito mais maluco e fantástico do que provavelmente vai rolar. Mas... será que precisa de uma continuação? Gosto dele assim: por mim, é um recorte suficiente. Massss, de qualquer forma, fico curioso com o lance da continuação. Quero ver onde vai dar (a história).

Beijo, Rachel!

Priscila Milanez disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Priscila Milanez disse...

O tema é mesmo batido, confesso que não li até o final nenhum dos textos que tinham como foco ou plano de fundo o 'revèillon' que vi em outros blogs. A não ser este.Isso se deve ao fato de que sua narrativa prende os olhos na tela, que só se saciam ao fim. Gostei bastante!

Isaac Frederico disse...

oi raquelucha !
pois é, o tema é batido mesmo; mas o melhor continua sendo o estilo, que sempre envolve uma descrição que acho muito interessante do ambiente.
e por que interessante? porque o óbvio naturalmente é o frenesi dos pensamentos e da condição humana dos personagens, mas percebo que sempre há essa descrição do ambiente que torna a narrativa muito mais completa.
- - -
aí bora marcar outro encontro de poesia daqueles, em breve ?
beijos

Rachel Souza disse...

Bora Isaac!
Victor, não tava pensando em morte. não da maneira mais óbvia...rs
Priscila, obrigada e volte sempre! Dudu,Tahian e anônimo, anotei as sugestões.
Beijo!

dade amorim disse...

Eu vejo progressos a cada texto novo, Rachel, sério mesmo.
Beijo e sucesso pra você.
PS Não consegui entrar no site da editora. Vou tentar mais tarde.

Anônimo disse...

"Tudo é provisório" - Frase tua que me deixou incondicionalmente sem palavras! Abraço.