domingo, 12 de julho de 2009

Resmungos sepultados no sofá sem espuma

'“Cada coisa em mim ardia”, ardia como ficção, como oferenda culinária de mãe, como rebanho entorpecido no temporal, como seios de viúva. Eu, do alto de meus trinta e sete anos de dentes alvos e bem cuidados, sentia o direito à covardia e à bem- aventurança de pizza fria de anteontem. Meu filho, de juventude insuportável, assumiria em breve os magros negócios da família e poderia então, comprar sua própria droga, dever seu próprio aluguel e produzir sentimentos legítimos em criaturas tão despreparadas quanto ele. A vida tem seu jeito de resolver as coisas, embora seja bestialmente humano, tenho momentos de lucidez, aceito a falta de coerência das desimportâncias. Numa ocasião tive o desejo de ser coveiro, de ser poderoso. Somente eu seria agente, o outro calado e inerte. Sempre. E desaguaria meus traços de vida em pessoas feito eu. Seguiria assim, acompanhando a dissolução da matéria humana, gradativamente menos interessante. Eu, um quase-ser, como tantos outros vagando por aí. Mas enquanto planejava o destino em silêncio, os acontecimentos fluíam. Abri a porta da cozinha pra ela e me fudi. Ela perguntou as horas e me ofereceu queijo. Não despertou em mim grandes sentimentos, mas seus peitos eram lindos. Me descontrolei e fiz um filho. Por cima eu perguntava “hoje começa nossa história?” Ela com seu gemido prateado, parecia prever, parecia saber. E riu. A partir de então passei a lamber nucas desconhecidas com a emoção de um herói, com a soberba da ereção. Minha nudez não mais faz corar, meus pêlos são ralos e minhas secreções libidinosas me dão a dimensão do indivíduo que sou. Fui obrigado a blefar seriamente.

3 comentários:

Felipe Malta disse...

Por peitos lindos eu também faria! rs
Tua cabeça é uma coisa!

Elmo Thompson disse...

Resmungos que escapam pela suposta resolução das coisas, no final das contas não há o que se pagar, e a vida resta como metáfora, grande ilusão a que nos agarramos quando nem o prazer dá jeito, filho bastardo sem querer, bico-de-pato por um sofá sem espuma, reproduzindo comportamentos porque tomar tenência dá trabalho demais. Essas foram as palavras quase-exatas que me vieram à cabeça lendo esse teu texto, Rachel, já a partir do título (mais) um enigma que se quer não-resolvido - e algo se resolve? -, no ritmo alucinante/alucinógeno dessa tua literatura esfinge nesse nosso/teu/meu tempo contemporâneo. Adoro-te, mulé!!!

PS: Vi as fotos da "montagem" do suor. Pelo making of a coisa tá boa, muito boa hein... pena eu não ter podido ir à flip.....bjão =D

dudu oliva disse...

Belo texto.