domingo, 21 de março de 2010

A ciência da arte

Logo cedo 3 ônibus e uma garganta inflamada pela chuva e resquícios de boemia. Segunda-feira nas barcas, reunião para abertura do semestre na pós em Artes da UFF. Tossia tanto que a cabeça doía. Difícil manter a concentração no que quer que fosse, apreendi o máximo que pude entre goladas de cinco ou seis copinhos de café e uma estilhaçada no biscoitinho da cesta. O mestrado e suas exigências, passo a passo. Apresentações e regras de sobrevivência possível. “Isso assim assado até maio no máximo”; “Os prazos não são lá muito esticados”; “Temos uma exposição a ser feita. Quem participa?” ; “Já conhecem as revistas? Uma delas foi usada na seleção de doutorado da UERJ. Quem quer escrever nela?”; “Tchau e boa sorte!”

O primeiro dia daquilo tudo começava em tom de ameaça amistosa e coceira. Senti acolhimento, creio que minha pesquisa será bem feita, as intenções são as melhores e já tenho orientador escolhido. Mantive o foco na respiração e deixava o fluxo do pensamento seguir seu próprio ritmo frenético, não me ative. O espaço era de absorver o novo, de me estabilizar no que, nos próximos dois anos, tomaria parte da minha vida. Espaço e momento de olhar na cara de com quem a convivência se daria. Percebi que além de tudo, meu Modus operandi é de artista, minha intuição, meu jeito de pesquisar, de lidar. Estava no meio de alguns, tenho a quem pedir ajuda futuramente. Aquela insegurança de quem não sabe pra onde ir, de qual palavra escolher no momento da criação, no momento do poema, bateu. Por vezes queria ter a sensação de segurança de ter chegado a algum lugar. Paulo José diz que isso é pros idiotas, insegurança bem usada já fez maravilhas na arte e que nos dá a dimensão do humano.

Cambaleante na tosse percorri a trilha dos restaurantes baratos do Ingá. Almoçar, trocar meia dúzia de palavras de incentivo e boas-vindas com os convivas e assistir a aula inaugural da temporada: “Teoria das estranhezas”! Para além do nome intrigante, descobri um professor de nome igualmente esquisito e apaixonado pelo ofício da coisa. Um ser que propõe o estudo da etimologia do objeto, das palavras, e da palavra “objeto” e que, entre mil coisas, defende a idéia de serem alucinação e realidade, coisas iguais. Coisas que só se dissociam de acordo com o ponto de vista. Cada qual estranha de uma forma o protomorfo alheio. No dia seguinte, “Arte e sistemas semióticos” e a tarefa de apresentar um livro do Barthes para um homem que tem pós-doc em... Barthes! O homem é bem-humorado. O homem demonstrou preocupação com minha tosse. Não será tão terrível. Chove muito e teria mais uma aula na semana, precisaria de mais saúde. A tosse aumenta. Duzentas coisas para ler. Uma nova amiga me acompanha. Vou me desligando. O foco é conseguir chegar bem até as barcas. Assim, a mente em silêncio com barulho de ônibus

5 comentários:

Heyk disse...

ótimo.
é, é o fluxo para quem o queira, e a insegurança, só ela cria, desde que não vire pavor. E até o pavor, cria: arte da guerra: nunca encurrale um animal a ponto de não lhe deixar saída, ele lutará até a morte.

Olha, quanta coisa. E eu que nem tenho orientador. Sendo artista, vamos de escritos de artista, tudo bom, tudo ótimo.

Vá nos atualizando nesse diário de bordo, os mestrandos futuros, agradecem.

RAFAEL NAZARENO disse...

ONTEM CAMINHAVAMOS DE MAOS DADAS,PORQUE ELA TINHA MEDO.HOJE ELA CAMINHA SOZINHA,POR CAMINHOS DESCONHECIDOS.HOJE SOU EU QUE TENHO MEDO.MAS ELA SE FOI DESTEMI- DA,DESBRAVANDO,E EU FIQUEI NO MEU CANTO SO E ESPERANDO.VA,PISE FIRME NESSE MUNDO QUE E SEU,TRAGA AS NOVIDADES PRA ME INFORMAR.

Elmo Thompson disse...

...jamais li um texto teu que fosse assim tão... teu! Tá na cara a tua cara, dada a tapas, a novos caminhos e consequências futuras de escolhas ainda nem escolhidas. Uma espécie de diário - poético, claro, assim como não se poderia te ler a não ser desse modo. Lembrei de Virginia Woolf, sendo que revi "As horas" no trecho de madrugada insone de ontem, e havia (há!) partes sensacionais de vida/literatura em seu percurso que a fizeram ser o que é, e também me lembrei de que quem sente na carne o que se sente na alma nunca pode ter dissociado de si o pendor artístico. E sim, depende do ponto de vista, mas, piegamente citando Woolf, não dá pra ter paz evitando a vida. Vivamos, escrevamos, soframos, pois, porque é assim que sabemos fazer...

beijo e força,

do elmo

Rachel Souza disse...

Uma vez ouvi de um crítico de arte que a análise de uma obra de arte consiste no binômio Sugestão-Pausa, onde a ausência é a lacuna mestra pra subjetividade trabalhar nos indícios iniciais.Uma boa obra não sublinha, sugere e te larga à deriva. Esses elementos numa pesquisa acadêmica levam o pesquisador à morte impiedosa.

Mari disse...

estou aqui do lado.
apesar de não representar segurança nenhuma.

midame
(a palavra de verificação)