Tirou seus pertences da bolsa de tecido colorido comprada na lojinha do chinês da esquina e fez uma breve avaliação do que deveria ou não ser posto fora. O tecido, semi-translúcido ao sol, destoava de seu figurino em tons de bege. Era uma mulher discreta, sempre fora. Não haveria de ser agora, após o surgimento dos cabelos brancos e das varizes mais profundas, que mudaria. Não era de mudanças também. Ao todo suas características mais marcantes eram essas, a discrição e a aversão à mudanças, além dos lábios grandes, agora menores e pendentes em sulcos marcados na pele flácida de gozos e dissabores.
A questão era simples, ver o que prestava ou não e jogar no lixo. Uma seleção das tranqueiras que as feminices suportam. Recostada ao poste, sem eira nem beira, passagem subterrâneas de ida, apenas ida, teve um lapso de memória. O sol era forte. As pessoas olhavam. Sentiu a pressão oscilar e a vista falhar, mais uma das sacanagens que lhe chicoteiam a existência. Perdeu-se em meio à caixas de remédio e receitas velhas. As chaves de casa e a foto 3X4 do neto mais velho pendendo das mãos enrugadas. Talvez fosse Alzheimer, atestou a medicina. Desmaiou no chão de urina. O relógio marcava 12:30 e 40º à sombra.
6 comentários:
Esse chão com urina nãofoi muito proveitoso não, principalmente pra ela rsrs
gostei da demora, poderia ficar só na bolsa que já tava bom.
Seu texto está madurecendo e ficando muito bom.
O que a vida tem de leve pode se transformar de repente em episódio de horror. Faz parte. Cuidado com o calor! ;)
Beijo pra você, menina, e apareça, também tem café.
Rachel, deixei um selino de presente pra você lá no Umbigo do Sonho. Passa lá!
Beijo.
Recorte pesado, Rachel. Muito bem narrado, muito bem conduzido.
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